Caminho de Santiago - Pela Geira e Via da Prata

“Segundo uma tradição muito antiga, após a dispersão dos apóstolos pelo mundo, São Tiago, foi pregar as "boas novas" em regiões longínquas, passando algum tempo na Galiza. Ao voltar à Palestina, foi preso e decapitado, e o seu corpo foi atirado para fora das muralhas de Jerusalém.

Dois de seus discípulos, Teodoro e Atanásio, recolheram seus restos e levaram-os de volta ao ocidente de navio, aportando na antiga cidade de Iria Flávia, na costa oeste espanhola, sepultando-o secretamente num bosque de nome Libredón.

O lugar foi esquecido até que oito séculos depois, um ermitão chamado Pelágio começou a observar um estranho fenômeno que ocorria neste mesmo lugar: uma verdadeira chuva de estrelas caía todas as noites sobre um ponto no bosque, emanando uma luminosidade intensa.

Avisado das luzes místicas, o bispo de Iria Flávia, Teodomiro, ordenou que fossem feitas escavações no local encontrando assim uma arca de mármore com os ossos do santo.

A notícia espalhou-se e as pessoas começaram a deslocar-se a fim de conhecer o sepulcro originando o Caminho de Santiago de Compostela”.



Após ter-se já feito no seio do grupo três formas diferentes de chegar a Compostela esta era talvez a mais audaz. Surgiu da vontade expressa de um elemento do grupo e conseguiu a companhia de outro, e assim ao Sognimod juntou-se o Rido e junto levaram o espírito do grupo nesta intensa viagem.
Há alguns meses atrás já a preparação logística tinha sido planeada, tinha-se como objectivo completar o percurso em três etapas sendo que para o segundo dia tínhamos talvez reservado a de maior intensidade, não só pelas surpresas que nos poderiam aparecer, mas desde logo pela distância a percorrer (132 km). No primeiro dia arrancaríamos de Delãeschegaríamos a Lobios (Espanha) com 97 km feitos, e depois de percorrer a segunda etapa até Dozón ficariam cerca de 70 km para ultimo dia, teríamos só a manhã para fazê-los, pois o almoço já em Padron seria na companhia de familiares e amigos que nos iam buscar.
As previsões meteorológicas faziam temer o pior e o aproximar do dia colocava-nos algumas reticências, todavia prevaleceu à vontade expressa de completar o projecto e no dia marcado, entre o final da noite e o principio da manhã os dois Pinocos tiveram a companhia de outros dois (Zé e Careca) que não quiseram deixar de marcar presença na arrancada desta aventura. Infiltrados na noite rumaram a Braga onde já com a luz do dia tomaram o seu pequeno almoço em pleno centro da cidade dos Arcebispos. Arrancamos sem muita demora e chegamos rapidamente à Ponte do Porto, esta terá sido uma das primeiras travessias da Via Nova, a nossa conhecida GeiraEstávamos agora em Amares e seguíamos para Stª Cruz onde encontraríamos a sinalização da Geira Via Romana XVIII, e a verdadeira aventura começava. As paisagens bucólicas, maravilhosas e intensas incrementavam-nos as forças e para trás deixávamos vários quilómetros percorridos. Estávamos novamente em contacto com alguma população e em Covide fizemos nova paragem para agarrarmos o calor de um cafézinho. Ao chegar à Albufeira de Vilarinho das Furnas uma forte escuridão fez-nos percorrer vários minutos sob chuva e depois de ultrapassarmos a Nova Ponte de S.Miguel sobre o Rio Homem nova dificuldade apareceu, o não ciclavel acesso até Portela do Homem. Ultrapassada esta ultima dificuldade rapidamente estávamos na Via Nova já em Espanha, com o desaparecimento da chuva e descendo por uma Via Romana mais suave em algumas zonas que aparentavam intervenção mais recente de mãos humanas, chegamos a Torneiros, terra da piscina de agua quente. Para chegarmos a Lobios foram poucos minutos e já completamente secos chegamos ao Hotel Lusitano onde jantamos uma boa de uma sopa galega acompanhada por uma vitelinha estofada. Tínhamos o primeiro dia realizado e era agora altura de recuperar energias para o segundo.
No segundo dia sabíamos que os primeiros quilómetros de estrada iriam de certa forma deixar as suas marcas, mas não tínhamos bem presente que a intensidade de declive era tão acentuada, partindo da cota dos 300 metros com cerca de 23 km feitos tínhamos já ultrapassado em algumas dezenas a cota dos 700 metros. Aparecia a chuva esta que era a primeira séria dificuldade do dia. Depois de termos ladeado a Albufeira da Barragem das Conchas (com águas do nosso conhecido Rio Lima) nos últimos quilómetros ultrapassamos para a outra margem do Rio Lima pela bela Ponte de Liñares. Até chegarmos a Sandiás fomos percorrendo a Via Nova que aqui é uma estreita estrada e caminho de longas rectasEstávamos com 42 km e já tínhamos alcançado a Via da Prata que até Piñeira de Abaxio partilhava com a N-525 o seu espaço. Após largarmos a N-525 e chegarmos à Igreja de San Salvador dos Penedos estávamos já dentro de mais uma pequena dificuldade, iríamos chegar a escassa meia dúzia de metros da cota dos 900 metros antes ainda de chegarmos a Allariz onde iríamos tomar uma bebida quente, pois junto com alguma chuva tínhamos também um frio intenso. Estes últimos quilómetros tinham sido feito por entre vegetação intensa, alta montanha e na parte final por zonas muito rurais, este interior Galego mostrava-se cada vez mais belo. Para contrastar com as várias adversidades eis que sem qualquer combinação os Pinocos Zé e Redleh que nos tinham dito vir fazer companhia no almoço em Ourense avistam-nos quando parávamos para tomar o nosso cafézinho quente, coincidências das coincidências e acabamos por tomar café juntos. Cerca de 20 km nos separavam agora de Ourense e não fosse à teimosia da chuva chegaríamos lá rapidamente, fomos de forma controlada diminuindo a distancia que nos restava e com um ou outro problema de navegação lá chegamos à Ponte Romana de Ourense onde o Zé e o Redleh nos esperavam para almoçar. Após algumas tentativas a escolha do restaurante não podia ser a mais acertada, bom ambiente, boa comida, boa companhia, boa conversa e forças recuperadas. Deu mesmo para conhecer um pouco do interior desta linda Cidade. Depois de alguns bons minutos passados com uma companhia revitalizante lança-mo-nos à que seria ultima pequena etapa do dia, agora até Dozón, todavia novas dificuldades se apontavam e logo a começar a “parede” que encontramos em Costiña de Canedo uma pequena estrada com extensão de cerca de 6 km e com uma inclinação de 19%, este era então um forte aquecimento após o almoço para o que ainda nos esperava. Agora após passarmos por magníficos bosques e novamente por terreno extremamente montanhoso e de intensa vegetação envolta de humidade, chegávamos a San Critovo de Cea. Novo aglomerado de população só avistávamos agora em Piñor e daqui para a frente era só subir, estávamos novamente isolados de tudo e o contacto com população era agora reduzido ou inexistente, as condições climatéricas agravavam-se e nós continuávamos a subir e desta vez ultrapassávamos quase em 40 metros a cota dos 800 metros. Após uma resistência incrível do ponto mais alto víamos ao fundo o que pensávamos ser Dozón e assim de confirmou, o que não esperávamos é que o Albergue estivesse já repleto e mesmo com pedido reforçado a mensagem, com imensos pedidos de desculpa, foi que era impossível lá ficarmos. Tínhamos cerca de 130 km feitos e nas ultimas dezenas a chuva e frio tinham inibido algumas das nossas forças. Mas nem tudo estava perdido, eis que surge a oferta de dormida por preço muito acessível num que poderá ser em breve novo Albergue de apoio a peregrinos, o de Silleda. Eram mais 27 km debaixo de chuva e frio e a hora já se alongava, mas a promessa de quarto com acesso a banho com agua quente e com serviço de restaurante no piso zero foi o suficiente para, após olhar fixo entre os dois Pinocos, avançarmos para o final desta segunda etapa que culminou com uns 157 km, banho quente, grande Tortilla com ensalada, tarte, café e o merecido repouso dos guerreiros. Tal como no primeiro dia aqui também tivemos wi-fi grátis e podemos colocar alguma informação nas redes sociais para que quem de longe nos acompanhasse ficasse com mais detalhe do que se ia passando. Após alguns minutos de conversa repousamos o corpo para um novo dia.
Para este ultimo dia com a Epopeia do anterior restavam-nos simplesmente 38 km que apesar do esforço do dia anterior sentíamos que com ritmo moderado os faríamos e conseguiríamos alcançar Santiago de Compostela ao final da manhã. A manhã parecia mostrar vontade de nos pregar nova partida com chuva, pois o céu estava muito nublado, todavia fomos conseguindo nos afastar da chuva e chegamos à Oficina do Peregrino sem qualquer contacto com a chuva. Foi-nos concedida a “Compostela” após termos percorrido cerca de 290 km e 5600 metros de acumulado de subida, numa atitude de busca espiritual.
Após nos dirigirmos à Praça da Catedral de Santiago de Compostela encontra-mo-nos com as nossas famílias que nos vieram recolher. As condições climatéricas adversas e mais nomeadamente um frio que mais parecia estarmos em Dezembro não nos permitiu grande permanência e como tínhamos previsto almoçar em Padron, para lá partimos sem demora onde confraternizamos e partilhamos experiências num belo dum Restaurante-Asador.

Experiência intensa esta. Obrigado a todos que de uma forma ou outra nos acompanharam nesta aventura.


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